Portaria RFB nº 555/2025: Novo marco para transações tributárias no contencioso administrativo
Entenda como a nova Portaria RFB nº 555/2025 pode facilitar acordos com a Receita Federal e transformar a forma de resolver dívidas tributárias.
Portaria RFB nº 555/2025: Novo marco para transações tributárias no contencioso administrativo
SE VOCÊ TEM DÉBITOS EM DISCUSSÃO COM A RFB, É HORA DE AVALIAR SE A TRANSAÇÃO É VANTAJOSA PARA O SEU CASO.
A Receita Federal publicou a Portaria nº 555/2025, que trata da transação de créditos tributários no contencioso administrativo. Isso significa, mais uma oportunidade, para empresas regularizarem dívidas com vantagens como descontos, parcelamento e previsibilidade financeira.
Essa Portaria, publicada no Diário Oficial da União em 7 de julho de 2025, instituiu um novo e abrangente marco regulatório para a transação de créditos tributários no âmbito do contencioso administrativo fiscal.
Está normativa é fundamentada no artigo 171 do Código Tributário Nacional e na Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, estabelecendo os procedimentos, modalidades, condições e limites para a celebração de acordos entre o Fisco e os contribuintes, visando à extinção de débitos objeto de litígio na esfera administrativa.
A portaria se aplica especificamente aos créditos cuja exigibilidade se encontra suspensa em decorrência da apresentação de impugnação, manifestação de inconformidade ou recurso, nos termos do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, que rege o processo administrativo fiscal.
Este artigo se propõe a realizar uma análise pormenorizada das disposições contidas na referida portaria, explorando seus princípios, objetivos, obrigações impostas às partes, benefícios concedidos e as vedações aplicáveis.
CAPÍTULO I: FUNDAMENTOS E OBJETIVOS ESTRATÉGICOS DA TRANSAÇÃO
SEÇÃO I: PRINCÍPIOS ORIENTADORES
O artigo 2º da portaria elenca um conjunto de princípios que devem ser estritamente observados na condução de qualquer modalidade de transação.
O primeiro deles é a presunção de boa-fé do sujeito passivo, uma inversão da lógica tradicionalmente inquisitória do processo fiscal, que passa a valorizar a cooperação e a confiança mútua como bases para a solução consensual do litígio.
Em seguida, a norma preconiza a prevenção de desequilíbrios de concorrência na atividade econômica, reconhecendo que a concessão de benefícios fiscais de forma desordenada pode gerar vantagens indevidas a determinados agentes econômicos em detrimento de outros, afetando a isonomia concorrencial.
O atendimento ao interesse público figura como princípio cardeal, lembrando que a transação não é um fim em si mesma, mas um instrumento para a realização de finalidades estatais mais amplas, como a arrecadação eficiente e a manutenção da atividade produtiva.
Por fim, a portaria consagra a publicidade e transparência ativa, determinando que os termos gerais das transações sejam públicos, resguardadas as informações protegidas por sigilo fiscal, em conformidade com o mandamento de transparência na gestão pública.
SEÇÃO II: OBJETIVOS DECLARADOS
De forma complementar aos princípios, o artigo 3º detalha os objetivos que a Receita Federal busca alcançar com a implementação da transação.
O primeiro objetivo é o estímulo à autorregularização de créditos tributários, incentivando os contribuintes a resolverem suas pendências de forma proativa, antes mesmo da instauração de medidas de cobrança mais gravosas.
Consequentemente, busca-se a promoção da conformidade fiscal, ou seja, a criação de um ambiente de negócios no qual o cumprimento voluntário das obrigações tributárias seja a regra.
A redução de litígios e a consequente redução de custos relativos à cobrança administrativa são objetivos pragmáticos que visam a otimizar a alocação de recursos públicos, liberando a máquina administrativa para se concentrar em casos de maior complexidade ou relevância.
A portaria também demonstra uma sensibilidade social e econômica ao prever, como objetivos, a adequação das formas de regularização do débito à capacidade de pagamento do sujeito passivo e a viabilização da superação da situação transitória de crise econômico-financeira, com o intuito de permitir a manutenção da atividade econômica, do emprego e da renda.
Finalmente, a norma reconhece a transação como uma forma de assegurar fonte sustentável de recursos para a execução de políticas públicas, alinhando o ato de arrecadação à sua finalidade última.
CAPÍTULO II: ESTRUTURA GERAL DA TRANSAÇÃO: MODALIDADES, OBRIGAÇÕES E CONCESSÕES
SEÇÃO I: AS MODALIDADES DE TRANSAÇÃO
O artigo 4º define as três modalidades de transação possíveis:
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Transação por adesão à proposta da RFB: é um modelo padronizado, ofertado por meio de edital para um universo amplo de contribuintes que se enquadrem em critérios predefinidos.
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Transação individual proposta pela RFB e Transação individual proposta pelo sujeito passivo: as modalidades individuais, seja por iniciativa do Fisco ou do contribuinte, permitem uma negociação customizada, aplicável a casos de maior complexidade ou valor. A norma ainda prevê a figura da transação individual simplificada, um procedimento intermediário para débitos de valores específicos, como será detalhado adiante.
SEÇÃO II: DEVERES DAS PARTES ENVOLVIDAS
O sucesso e a segurança jurídica da transação dependem do estrito cumprimento de um conjunto de obrigações.
O artigo 5º impõe ao sujeito passivo uma série de deveres, que funcionam como contrapartidas aos benefícios recebidos.
Entre as principais obrigações, destacam-se: o dever de fornecer informações sobre sua situação econômica e patrimonial; a proibição de práticas que visem ao esvaziamento patrimonial para frustrar a cobrança; e, de forma crucial, a renúncia a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundamentem as ações administrativas ou judiciais relativas aos créditos transacionados, exigindo-se o pedido de extinção do respectivo processo com resolução de mérito.
O contribuinte deve também aderir e manter-se no Domicílio Tributário Eletrônico (DTE), autorizar a compensação de débitos com créditos de restituições e ressarcimentos e, em casos específicos, autorizar a retenção de valores de fundos de participação para quitação das parcelas.
Em contrapartida, o artigo 6º estabelece as obrigações da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, que incluem o dever de prestar esclarecimentos, presumir a boa-fé do contribuinte, notificá-lo sobre hipóteses de rescisão concedendo prazo para regularização e, em linha com o princípio da transparência, tornar públicas as transações celebradas, preservando o sigilo das informações legalmente protegidas.
SEÇÃO III: AS CONCESSÕES E SEUS LIMITES
O artigo 7º elenca os benefícios que podem ser ofertados na transação, como o pagamento de entrada mínima, a concessão de descontos em relação a débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação (incidindo sobre multas, juros e encargos legais), o parcelamento, o diferimento ou a moratória.
A portaria inova ao permitir expressamente a utilização de créditos líquidos e certos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado (precatórios) e, de forma ainda mais significativa, a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), embora esta última possibilidade seja condicionada à demonstração de sua imprescindibilidade e fique a critério exclusivo da RFB.
Contudo, a própria portaria estabelece vedações intransponíveis no artigo 15. É vedada, em qualquer hipótese, a redução do montante principal do crédito tributário.
O desconto total não pode superar 65% do valor dos créditos, e o prazo de quitação não pode exceder 120 meses.
Exceções a esses limites são previstas no artigo 8º, que autoriza uma redução de até 70% e um prazo de até 145 meses para pessoas naturais, Microempreendedores Individuais (MEI), microempresas (ME), empresas de pequeno porte (EPP), bem como para Santas Casas de Misericórdia, cooperativas, organizações da sociedade civil e instituições de ensino, demonstrando uma clara opção política de favorecer segmentos específicos.
Adicionalmente, o artigo 16 impõe um limite de 60 meses para o parcelamento de contribuições sociais destinadas à seguridade social.
CAPÍTULO III: PROCEDIMENTOS E EFEITOS JURÍDICOS DA TRANSAÇÃO
SEÇÃO I: EFEITOS SOBRE A EXIGIBILIDADE E O PROCESSO ADMINISTRATIVO
De acordo com o artigo 10, a mera proposta de transação, seja por adesão ou individual, não suspende a exigibilidade dos créditos tributários.
A suspensão somente ocorrerá após a celebração do acordo que envolva diferimento, moratória ou parcelamento, conforme dispõe o artigo 12.
No entanto, o artigo 13 estabelece que o protocolo de uma proposta formal suspende o trâmite dos processos administrativos relacionados aos débitos incluídos na negociação, enquanto perdurar sua apreciação.
A celebração da transação, por sua vez, constitui ato inequívoco de reconhecimento dos créditos tributários pelo sujeito passivo, e sua extinção definitiva só ocorrerá com o cumprimento integral do acordo, nos termos do artigo 14.
SEÇÃO II: A UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA DE PREJUÍZO FISCAL E BASE DE CÁLCULO NEGATIVA DA CSLL
O Capítulo IV (artigos 20 a 26) detalha um dos mecanismos mais relevantes da portaria: a possibilidade de utilizar créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para liquidar até 70% do saldo devedor remanescente após a aplicação dos descontos.
O artigo 21 permite que tais créditos sejam utilizados não apenas pela própria empresa devedora, mas também por sua controladora, por suas controladas ou por empresas do mesmo grupo econômico, desde que a relação de controle seja preexistente.
O valor do crédito é determinado pela aplicação das alíquotas do IRPJ e da CSLL sobre os montantes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa. É fundamental notar que a utilização desses créditos extingue os débitos sob condição resolutória de sua ulterior homologação, dispondo a Receita Federal do prazo de cinco anos para analisar a regularidade dos créditos utilizados.
Caso sejam constatadas irregularidades ou indícios de fraude, a liquidação será cancelada e os débitos serão imediatamente cobrados, sem prejuízo de representação para fins penais.
CAPÍTULO IV: AS VIAS PROCESSUAIS PARA A CONCRETIZAÇÃO DA TRANSAÇÃO
SEÇÃO I: A TRANSAÇÃO POR ADESÃO
Conforme os artigos 27 e 28, a transação por adesão será formalizada por meio de edital publicado no sítio eletrônico da Receita Federal.
O edital definirá todos os parâmetros da negociação: o prazo, os critérios de elegibilidade dos créditos e dos contribuintes, os benefícios, as obrigações adicionais e o procedimento para adesão, que ocorrerá de forma exclusivamente eletrônica.
Essa modalidade visa à massificação e à celeridade na resolução de litígios com características semelhantes.
SEÇÃO II: AS TRANSAÇÕES INDIVIDUAIS
O artigo 29 estabelece os critérios para o acesso às transações individuais, que são, em regra, baseados no valor do contencioso.
Débitos iguais ou superiores a R$ 5.000.000,00 qualificam o contribuinte para a transação individual ordinária. Para débitos entre R$ 1.000.000,00 e R$ 5.000.000,00, está prevista a transação individual simplificada.
Débitos inferiores a R$ 1.000.000,00 só poderão ser objeto de transação por adesão. A proposta de transação individual apresentada pelo contribuinte, conforme o artigo 32, deve ser robustamente instruída com um plano de recuperação fiscal, exposição da situação econômico-financeira, relação de bens e garantias, entre outras declarações.
A análise é aprofundada, podendo a RFB exigir documentos contábeis e laudos de avaliação. A decisão que recusa a proposta deve ser fundamentada, cabendo recurso administrativo nos termos da Lei nº 9.784/1999.
O procedimento da transação individual simplificada, descrito nos artigos 36 a 38, é mais célere. A proposta é feita eletronicamente, e a equipe da RFB pode formular uma contraproposta.
O consenso é formalizado por meio de um termo simplificado, e a anuência do contribuinte se dá com o pagamento da primeira prestação.
CAPÍTULO V: A RESCISÃO DO ACORDO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
O Capítulo VIII (artigos 39 a 43) trata da rescisão da transação, que ocorrerá em caso de descumprimento das cláusulas e obrigações, constatação de esvaziamento patrimonial, decretação de falência, ou ocorrência de vícios como dolo, fraude ou simulação.
O artigo 39 é claro ao determinar que a rescisão implica a perda de todos os benefícios concedidos, com a retomada da cobrança integral do débito, deduzidos os valores já pagos. Além disso, o contribuinte que der causa à rescisão fica impedido de formalizar nova transação pelo prazo de dois anos.
A portaria, contudo, garante o devido processo legal: o artigo 40 determina que o sujeito passivo seja notificado da hipótese de rescisão e tenha um prazo de 30 dias para regularizar o vício ou apresentar impugnação. A impugnação e o eventual recurso administrativo subsequente possuem efeito suspensivo, mantendo a transação vigente até o julgamento definitivo.
DISPOSIÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
Ao final, a Portaria RFB nº 555/2025 reitera, em seu artigo 44, o compromisso com a preservação da atividade econômica e a manutenção do emprego e da renda.
Com a revogação expressa da Portaria RFB nº 247/2022, a nova norma consolida e aperfeiçoa o regime de transação no contencioso administrativo fiscal.
Trata-se de um diploma normativo denso e detalhado, que busca equilibrar a necessidade de arrecadação do Estado com a realidade econômica dos contribuintes, estabelecendo um ambiente de maior segurança jurídica e previsibilidade para a solução consensual de conflitos tributários, em um movimento claro de modernização da administração tributária brasileira.