As estatais que prestam serviços públicos devem pagar IPTU?
O STF vai decidir isso: e o impacto é enorme!
Imunidade tributária e serviço público: STF assume protagonismo na controvérsia sobre IPTU de imóveis de estatais
*Por: Enzo Oliveira
No último dia 17 de maio de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo relevante ao reconhecer a repercussão geral da discussão sobre a imunidade tributária recíproca aplicada ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre imóveis de sociedades de economia mista afetados à prestação de serviço público. Trata-se do Tema 1398, que nasce do Recurso Extraordinário (RE) 1.317.330, envolvendo a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) e o município de Belo Horizonte.
Embora o assunto pareça técnico, seu alcance é imenso: coloca em xeque o equilíbrio entre o poder de tributar dos municípios e a proteção constitucional que impede a cobrança de tributos entre entes públicos — a chamada imunidade recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal. A controvérsia não é nova, mas sua complexidade cresce à medida que sociedades de economia mista, como a CEMIG, atuam simultaneamente como prestadoras de serviços públicos e como empresas que buscam lucro e distribuem dividendos.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), instância onde o caso ganhou força, vinha consolidando entendimento pela não incidência do IPTU sobre imóveis da CEMIG, considerando-os essenciais à prestação de serviço público e, portanto, protegidos pela imunidade. Entretanto, não havia consenso pleno. Tanto que o próprio TJMG formou o Grupo de Representativos 44 para uniformizar o tratamento da matéria, enquanto aguardava o posicionamento definitivo da Suprema Corte.
A decisão do STF de reconhecer a repercussão geral, por meio do voto do ministro Roberto Barroso, não surpreende. Afinal, o tema possui evidente densidade constitucional, repercussão financeira e institucional. Como bem destacou o relator, está em jogo a própria organização federativa e a delimitação de competências tributárias, além de impactar diretamente as receitas municipais e a atuação de estatais em setores estratégicos, como energia, saneamento e transporte.
O caso da CEMIG ilustra bem o dilema: embora preste serviço público essencial — distribuição de energia elétrica —, também busca resultados financeiros e remunera acionistas, inclusive privados. O município de Belo Horizonte defende que essa natureza híbrida justifica a incidência do IPTU, enquanto a estatal mineira sustenta que sua função pública justifica a imunidade.
Há decisões pretéritas do próprio STF que podem influenciar o julgamento. Em alguns precedentes (Temas 1.140 e 1.297), a Corte admitiu a imunidade para estatais que prestam serviços públicos essenciais, mesmo que lucrem. Já em outros casos (Temas 437 e 508), prevaleceu a tese de que a busca por lucro e a ausência de monopólio descaracterizam a proteção tributária. Ou seja, o Supremo terá de escolher entre reforçar a blindagem fiscal das estatais ou afirmar o direito dos municípios de tributar quem atua em regime empresarial.
Não há dúvida de que a decisão do STF terá efeito vinculante e servirá de parâmetro para milhares de processos espalhados pelo país — só em Minas Gerais, segundo dados oficiais, são mais de 2.120 ações discutindo o mesmo tema. E aqui reside a importância deste julgamento: ele definirá, para o futuro, se estatais que prestam serviços públicos poderão se beneficiar da imunidade tributária recíproca, mesmo operando com lógica empresarial.
Como cidadão e observador do Direito, vejo que a Corte será desafiada a equilibrar dois valores constitucionais caros: o fortalecimento da federação, que exige segurança jurídica e delimitação clara das competências tributárias, e o incentivo à eficiência administrativa, que muitas vezes passa pela atuação das estatais no mercado.
Em um país marcado por desigualdades regionais, decisões como essa podem ter impacto significativo sobre a capacidade de arrecadação dos municípios, especialmente os que dependem do IPTU como fonte essencial de receita. Por outro lado, um excesso de tributação sobre estatais pode onerar indiretamente os próprios usuários dos serviços públicos, penalizando a coletividade.
O que está em jogo não é apenas uma disputa entre CEMIG e Belo Horizonte, mas a definição de um modelo de Estado: qual o limite entre o público e o privado nas atividades essenciais? Como compatibilizar o dever de prestar serviços à população com a necessidade de sustentar as finanças municipais?
Por ora, a decisão do STF de sobrestar os processos e assumir a análise do Tema 1398 demonstra maturidade institucional e compromisso com a uniformização da jurisprudência. O país aguarda, com legítima expectativa, qual será o entendimento definitivo.
Independentemente do resultado, o julgamento deverá servir como bússola para a atuação futura de municípios e estatais, além de reforçar a importância do Supremo como guardião da Constituição e árbitro das tensões federativas.