Empresas recorrem à AGU para tirar dúvidas sobre a reforma tributária
Entre as questões estão a abrangência de benefício fiscal para medicamentos e o uso de créditos de PIS e Cofins
Empresas recorrem à AGU para tirar dúvidas sobre a reforma tributária
Entre as questões estão a abrangência de benefício fiscal para medicamentos e o uso de créditos de PIS e Cofins
Contribuintes começaram a enviar uma série de questões sobre a reforma tributária para a Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios (Sejan), da Advocacia-Geral da União (AGU). Uma delas é se o regime beneficiado de tributação para medicamentos alcança apenas aqueles vendidos com receita médica. Também há dúvidas sobre o uso de créditos de PIS e Cofins reconhecidos pelo Judiciário após a extinção dessas contribuições sociais — que, em 2027, serão substituídas pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Ainda preocupa as empresas o fim dos créditos gerados por custos com planos de saúde, vale-transporte, vale-refeição e vale-alimentação fornecidos gratuitamente aos empregados. De acordo com um técnico ouvido pelo Valor, sem esclarecimentos ou medidas concretas, tais pontos poderão acabar judicializados pelos respectivos setores:
“Está na cara que já tem tese pronta para judicializar”, disse ele sobre alguns itens.
Se medicamentos que não exigem receita médica ficarem de fora do regime beneficiado, vários itens como analgésicos e remédios para o estômago serão prejudicados. Essa dúvida surgiu porque a Lei Complementar nº 214 — a primeira que regulamentou a reforma — prevê alíquota reduzida em 60% para medicamento “registrado” na Anvisa, e não “regularizado” ou “notificado”.
“Com certeza não foi intencional a restrição à tributação favorecida”, afirma Oscar Yazbek Filho, presidente-executivo da Associação dos Distribuidores Farmacêuticos do Brasil (Abafarma).
A Abafarma sugeriu uma alteração na redação legal, propondo o uso do termo medicamento “regularizado” para garantir a abrangência do regime diferenciado de alíquotas do IBS e da CBS aplicável às operações com medicamentos.
Segundo Yazbek Filho, medicamentos isentos de registro são aqueles com princípio ativo mais conhecido, usados há décadas e considerados de baixo risco. “São isentos de prescrição”, explica. Para ele, a exclusão desses medicamentos da tributação favorecida decorre de uma questão técnica que passou despercebida:
“O termo ‘registrado’ tem um sentido mais restrito do que ‘autorizado’ pela Anvisa.”
Os medicamentos com tributação favorecida terão as alíquotas da CBS e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) reduzidas em 60% em relação à alíquota padrão. A CBS entra em vigor em 2027 e o IBS será implementado gradualmente a partir de 2029.
Outro ponto levado à Sejan, elaborado pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), diz respeito à compensação de créditos de PIS e Cofins reconhecidos em ações judiciais encerradas após janeiro de 2027. Segundo Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich Vasconcelos Advogados e representante da CNSaúde na Sejan, com a extinção do PIS e da Cofins em dezembro de 2026, o ambiente de escrituração (como a EFD-Contribuições) pode deixar de existir:
“É uma preocupação que afeta os contribuintes de um modo geral, não apenas o setor.”
Já a questão do fim da geração de créditos de PIS e Cofins decorrentes de gastos com benefícios como planos de saúde e vales concedidos aos trabalhadores foi levantada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). Segundo a entidade, o empregador que concede tais benefícios será penalizado, enquanto quem apenas repassa os encargos terá os mesmos direitos a créditos.
No caso do vale-transporte, por exemplo, não haverá geração de crédito, pois o transporte urbano é isento de tributação. A advogada da CNT e sócia do Marcelo Tostes Advogados, Alessandra Brandão Teixeira, explica:
“Pode gerar um desestímulo ao transporte de passageiros regulamentado, porque, se contratarem um serviço de transporte que vai ser tributado, terá crédito.”
Apesar disso, a advogada considera precipitado falar em judicialização nesse ponto:
“Ou haverá uma falta de isonomia entre as empresas que concedem sem cobrar nada e aquelas que concedem cobrando.”
Na Sejan, discutiu-se que o governo federal não queria que bens e serviços de consumo pessoal gerassem crédito. No entanto, o Congresso permitiu a geração de créditos quando a contratação de plano de saúde for imposta por acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Na visão de outro técnico ouvido pelo Valor, é difícil justificar que empresas que oferecem tais benefícios por liberalidade não tenham direito a créditos. Ainda assim, como não há previsão específica sobre isso na regulamentação, é grande a chance de judicialização.
Todos esses questionamentos já foram entregues à Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda (Sert) e estão sendo analisados. Após a análise, está prevista uma reunião com os representantes da Sejan antes do envio de resposta aos contribuintes. A intenção é garantir que nenhum contribuinte fique sem esclarecimento.
Procurado pelo Valor, o Ministério da Fazenda informou que não irá se manifestar sobre os pontos levantados enquanto o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024 estiver em tramitação no Senado.