Marco Civil da internet: Julgamento dos Temas 987 e 533
Marco Civil da internet: Julgamento dos Temas 987 e 533
Por: Bernardo Drummond
STF em vias de alterar o regime jurídico de responsabilização das plataformas digitais no Brasil
Está em julgamento no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), dispositivo que atualmente condiciona a responsabilidade civil das plataformas digitais — como Google, X (antigo Twitter), Instagram, Facebook e YouTube — ao descumprimento de uma ordem judicial para remoção de conteúdo ofensivo ou ilícito.
De acordo com a norma vigente, as plataformas não podem ser responsabilizadas por publicações de terceiros, salvo se, após notificação judicial, permanecerem inertes diante da ordem de retirada do conteúdo. O objetivo da regra é evitar censura prévia e proteger a liberdade de expressão, atribuindo ao Judiciário a decisão sobre a legalidade das manifestações online.
O STF, no entanto, está reavaliando esse modelo. O ponto central em debate é se tal proteção estaria, na prática, dificultando a responsabilização por conteúdos notoriamente ilícitos, como discursos de ódio, desinformação com potencial lesivo, incitação à violência, pornografia infantil, entre outros.
A expectativa é que a Corte proponha uma flexibilização do artigo 19, permitindo que plataformas possam ser responsabilizadas diretamente — mesmo sem ordem judicial — em situações evidentes de ilicitude, reiteradas infrações ou quando houver risco concreto à coletividade. Caso isso ocorra, haverá reflexos significativos nas práticas de compliance e nos mecanismos internos de moderação das big techs, que deverão aprimorar seus protocolos de resposta às denúncias.
O julgamento teve origem em um caso concreto envolvendo ofensas contra uma mulher trans publicadas em redes sociais. A autora ingressou com ação judicial contra o Facebook, que, à época, não removeu os conteúdos antes de ordem judicial. A questão jurídica levada ao STF foi: é possível responsabilizar a plataforma mesmo sem intervenção judicial, diante de conteúdo flagrantemente ofensivo?
Até o momento, o relator, ministro Dias Toffoli, votou pela constitucionalidade parcial do artigo 19, defendendo que a responsabilização sem ordem judicial seja admitida em casos graves e evidentes. O julgamento foi iniciado em 2023, suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e está previsto para retomada em plenário nesta quarta-feira, 5 de junho de 2025.
O desfecho da ação poderá redefinir o marco jurídico de moderação de conteúdo no país, impactando diretamente a atuação das plataformas digitais, o enfrentamento às fake news, a responsabilização em ambiente virtual e a regulação futura do setor, inclusive no âmbito do PL das Fake News. Além disso, os efeitos podem se refletir no cenário eleitoral de 2026 e nas garantias constitucionais relativas à liberdade de expressão.
De acordo com o advogado Bernardo Drummond, coordenador da área cível estratégica do Marcelo Tostes Advogados:
“A imposição do dever de controle e censura às big techs implica um excessivo risco à liberdade de expressão e da própria imprensa. O Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização é que devem atuar nesse sentido com rigor e atenção a toda e qualquer violação de direitos, com a punição dos responsáveis. Naturalmente que a resistência a ordens judiciais é que deve ser punida com rigor, como já prevê o Marco Civil. Mas a delegação do poder de polícia a instituições privadas, sobretudo nesse contexto, é um contrassenso ao ordenamento jurídico e uma ameaça aos paradigmas constitucionais. Independentemente disso, decerto que as big techs devem constantemente atualizar e aplicar seus regulamentos e termos de uso, como forma de mitigar tais riscos, coibindo administrativamente as condutas manifestamente ilícitas, além de as denunciar aos órgãos competentes.”
A definição do STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 representa um marco relevante para o direito digital brasileiro, com repercussões jurídicas, políticas e sociais de grande alcance.