Recuperação Judicial aplicada ao Terceiro Setor - Artigo por Karine Rocha (MTA-Salvador)
Em novo artigo, sócia do MTA aborda como a lei nada obsta que seja aplicada ao Terceiro Setor
Por Karine Rocha**
Não há questionamentos que o artigo 1º da Lei 11.101/2005, conhecida como Lei de Falências, não menciona pessoas jurídicas representativas do Terceiro Setor, como também consoante previsão da lei, o artigo 47 objetiva que a recuperação judicial aplique-se a atividade empresária. E o mencionado artigo expressa a finalidade precípua do instituto da recuperação judicial, senão vejamos:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (BRASIL, 2005).
Chama-se atenção que a recuperação judicial é uma alternativa atualmente reconhecidamente, não apenas de superação da crise econômica financeira, mas de grande impacto social, haja vista que resulta na manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, como meio hábil a promover a preservação da empresa, da função social que ela representa e do próprio estímulo à atividade econômica.
Não se quer adentrar aqui ao conceito de empresário, identificado como sujeito abrangido pela Lei de Falências, dispensa-se nesse artigo tal abordagem, pois se tratando de uma lei pertencente ao Direito Privado, se a lei não proíbe nada obsta que a lei seja aplicada ao Terceiro Setor.
Isso porque as associações e fundações também passam por grandes crises financeiras, e ficam sujeitas a renegociação de dívidas e ao fechamento de suas atividades. Ademais, apesar da ausência de não finalidade lucrativa ou não finalidade econômica como o Código Civil prevê, não significa que não possam explorar atividades econômicas como meios de atingirem os objetivos estatutários, ou melhor, como forma de sustentabilidade necessária.
Registre-se que em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (publicado em 19 de maio de 2022), especificadamente a Quarta Turma, o Ministro Luís Felipe Salomão asseverou, numa interpretação sistêmica, e analisando o caso concreto que:
“caso não seja revogada a suspensividade concedida por V. Exa. e as associações civis de ensino permaneçam impedidas de acessarem o instituto da recuperação judicial, ao longo dos exercícios de 2022 e seguintes serão fechados, infalivelmente, todos os campi, prejudicando, diretamente, uma comunidade de quase 18 mil alunos e cerca de 2.7 mil funcionários, muitos com décadas de serviços prestados ás respectivas instituições, que perderão seus postos de trabalho e precisão se realocar, consecutivamente, no mercado laboral”.
Com base nessa decisão, que revela preciosas considerações e interpretações que conduz a melhor aplicação da Lei 11.101/2005 para a coletividade, questiona-se: Se a recuperação judicial tem o intuito da preservação da atividade empresarial por meios mais vantajosos, por que não se aplicar as mantenedoras de ensino, bem como hospitais, entidades de abrigo de crianças e idosos e tantas outras que possuem finalidade social de execução de demandas sociais que complementam o papel do Estado e que caso encerradas deixarão de atender um público vulnerável que nem mesmo todo o desenvolvimento econômico de um pais conseguirá substituir?
Cumpre nos destacar que não me coaduno a comparar as associações e fundações ás sociedade empresariais como muitos doutrinadores fazem para defender a aplicação da multicitada lei, há distinções evidentes entre as mencionadas pessoas jurídicas. Ocorre que se o objetivo é a preservação da atividade empresarial consoante a função social da empresa, quiçá não aplicar extensivamente a recuperação judicial ao Terceiro Setor que exerce a atividade econômica como um meio para executar atividades de interesse social ou público, não dividindo lucros e ainda em caso de superávit obriga-se a reinvestir na sua manutenção ou ampliação social.
** Karine Rocha sócia do Marcelo Tostes Advogados – Salvador/BA. Presidente da Comissão Especial do Direito do Terceiro Setor da OAB/BA. Diretora da ABMCJ (Associação Baiana de Mulheres de Carreiras Jurídicas) Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL. Professora Titular da UCSAL. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Professora de Direito- do trabalho e Processo do trabalho e do Núcleo de Práticas Jurídicas do Centro Universitário Uniruy. Advogada Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário. Presidente da Comissão Especial do Direito do Terceiro Setor – OAB/BA.