PAT: não é ao trabalhador que a portabilidade interessa - Novo artigo de Paula Pires
Na realidade, a portabilidade a ninguém interessa! Mas antes que se possa concluir dessa forma, precisamos explicar. Você, leitor, vai ao final concordar.
O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) é uma política pública criada em 1976, que pretende estimular o empregador, via isenção parcial do Imposto de Renda, a fornecer alimentação nutricionalmente adequada ao trabalhador, em especial o de baixa renda – aquele que aufere menos de cinco salários-mínimos por mês. Trata-se de um dos mais perenes programas sociais no mundo visando ao bem-estar do trabalhador.
No entanto, mesmo que o trabalhador seja o beneficiário final da alimentação nutricionalmente adequada, o destinatário do programa é o empregador. De fato, a Lei 6.321/1976, instituidora do PAT, deixa claro logo em seu artigo 1º que cabe ao empregador optar ou não por aderir ao programa: é ele o cliente nas relações comerciais destinadas ao fornecimento de alimentação, inclusive por meio de vales-refeição ou alimentação (cartões-benefício) emitidos pelas chamadas facilitadoras, responsáveis pelo repasse de valores recebidos do empregador aos estabelecimentos comerciais.
E quem confere o cumprimento desses requisitos de forma a criar redes credenciadas são as facilitadoras credenciadoras do arranjo fechado de pagamento, diferentemente das facilitadoras do arranjo aberto (“bandeiradas”), que não possuem redes e, portanto, não analisam critérios de segurança, saúde e qualidade dos estabelecimentos conveniados.
Como se verifica, portanto, a relação é triangular, visando à proteção e benefício do trabalhador, mas não o englobando: trata-se de uma relação contratual entre o empregador, a facilitadora e o estabelecimento comercial, sem o compromisso do trabalhador, a não ser o de usufruir corretamente do benefício.
Desde 2021 o PAT vem sofrendo importantes alterações normativas, sob a argumentação de “colocar o trabalhador no centro da política pública”. Entre as mudanças propostas destaca-se a portabilidade – cujo prazo de regulamentação e implementação foi postergado para 1º de maio de 2024 pela MP 1173/2023, ainda não convertida em lei. No entanto, a portabilidade no âmbito do PAT é desnecessária e até mesmo contraproducente.
Com efeito, é importante entender que não há até o momento meios sistêmicos ou práticos de implantação da portabilidade.
Nesse contexto, interessante notar que a portabilidade aqui tratada não se assemelha à portabilidade bancária, de planos de saúde ou de telefonia móvel, por uma simples razão: inexiste relação comercial entre o trabalhador e qualquer uma das facilitadoras, já que a relação comercial delas é exclusivamente com o empregador e/ou com o estabelecimento.
Ademais, a política pública do PAT somente poderá se perpetuar se for mantido o controle do cumprimento dos critérios legais de higiene, saúde, segurança e qualidade nutricional pelos estabelecimentos como requisito essencial à sua integração a uma rede credenciada. Nesse contexto, os cartões “bandeirados” agem em verdadeira oposição ao programa, negando-lhe eficácia ou mesmo validade, situação que será ainda mais agravada pela portabilidade, atualmente sequer passível de implementação sistêmica.
Ora, a partir de 2024 as empresas facilitadoras deverão compartilhar entre si suas redes credenciadas de estabelecimentos para aceitação cruzada dos cartões-benefício (interoperabilidade), o que permitirá que o trabalhador escolha automática e livremente qualquer estabelecimento de qualquer das redes compartilhadas para aquisição de alimentos – essa mudança tem aceitação das principais empresas do mercado.
E se assim é, a portabilidade mostra-se desnecessária, não trazendo benefício algum aos agentes envolvidos no sistema: nem ao Poder Público, que perderia o controle de qualidade exercido pelas facilitadoras credenciadoras no tocante aos estabelecimentos; nem ao trabalhador, que dela não necessita, vendo seu direito mais bem observado no âmbito da interoperabilidade; nem ao empregador, que pode se ver tentado a pedir o seu descredenciamento do PAT, em razão do alto ônus burocrático e até mesmo financeiro que passaria a enfrentar; nem à sociedade em geral e à força de trabalho nacional em particular, que deixam de ver garantido seu direito à alimentação nutricionalmente adequada e à segurança alimentar.