A profissionalização da Gestão no Futebol do Brasil - Novo artigo de Fernando Drummond
Sócio e VP do MTA discute as atuais perspectivas da legislação conhecida como a Lei das Sociedades Anônimas de Futebol (“Lei da SAF”)
Introdução: o que é a SAF?
A Lei 14.193 de 2021, conhecida como a Lei das Sociedades Anônimas de Futebol (“Lei da SAF”), teve como origem o PL nº 5.516, de 2019. Desde a promulgação da lei, mais de 20 clubes de futebol no Brasil aderiram ao novo modelo societário, como Cruzeiro, Botafogo, Vasco da Gama e Bahia. Constituindo-se como um tipo específico de sociedade, a SAF traz instrumentos de mercado que permitem o financiamento e a capitalização dos clubes de futebol, além de trazerem mais transparência e governança corporativa. A SAF apresenta, ainda, atrativos aos clubes, como a maior possibilidade de investimentos e regime tributário diferenciado.
O potencial econômico e a realidade dos clubes de futebol no Brasil
A relevância do futebol no país pode ser demonstrada por números: o Brasil tem mais de 20 times com torcidas que chegam (e ultrapassam) 1 milhão de torcedores, atingindo um contingente de clubes que nenhum outro país possui.
Entretanto, uma das razões para que o futebol não seja explorado como deveria no Brasil é a má gestão dos times em razão do modelo associativo, adotado pela grande maioria das entidades desportivas brasileiras. Dentre os problemas concernentes a este modelo estão a dificuldade de tomada de decisão gerencial, em decorrência da quantidade de associados; a dificuldade de responsabilização dos dirigentes, com diversos casos de corrupção; e a má gestão do futebol, que tem resultado em dívidas milionárias de diversos clubes.
A possibilidade de os clubes deixarem o modelo associativo sem fins lucrativos e se tornarem clubes-empresa já era uma realidade no Brasil com a Lei 9.615/1998, conhecida como “Lei Pelé”. Assim, a Lei da SAF não inaugura a permissão para os clubes tornarem-se empresas, mas sim cria um modelo societário específico para o futebol. Uma das razões que explicam a preferência dos clubes ainda pelo modelo associativo diz respeito às suas isenções tributárias, por exemplo. Contudo, as associações possuem limitações para captação de recursos e apresentam grande instabilidade na gestão.
A SAF surge, assim, como um modelo que tem como objetivo profissionalizar a gestão dos clubes de futebol no Brasil e fortalecer o mercado no ramo, apresentando especificidades suficientemente interessantes para que o modelo associativo seja repensado pelos clubes.
O que mudou com a aprovação da Lei 14.193/2021 – (“Lei da SAF”)
A estrutura societária da SAF permite que os clubes possam emitir títulos com a regulação pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”). Além disso, um dos pontos relevantes é seu objetivo de melhorar a gestão, tendo como inspiração os exemplos bem-sucedidos na Alemanha, Espanha e Portugal. Para isso, são previstas regras modernas de governança, como:
• a vedação de acionista com qualquer grau de controle ter participação societária em outra SAF;
• a existência obrigatória do conselho de administração e conselho fiscal, com regras claras de composição a fim de evitar conflitos de interesses;
• demonstrações financeiras submetidas a auditoria externa independente;
• publicações das demonstrações financeiras e da composição acionária, do estatuto e das atas das assembleias.
Para aliviar a questão tributária, a SAF apresenta um regime mais benéfico do que das demais empresas. Além da alíquota única de 5%, a tributação vai acontecer com a entrada da receita (regime de caixa) e não pelo regime de competência. Assim, o aporte financeiro em uma SAF torna-se interessante para investidores, ao juntar uma carteira de clientes fiéis – a torcida apaixonada – com benefícios tributários, novas regras de governança corporativa e modelos de planejamento para dívidas.
Ainda, a lei apresenta dois grandes mecanismos para a reorganização financeiras das entidades desportivas que aderiram à SAF: pelo concurso de credores por meio da recuperação judicial ou extrajudicial ou pelo “Regime Centralizado de Execuções” – modelo criado pela Lei da SAF, inspirado no concurso de credores, mas adaptado para o ambiente das entidades desportivas.
Formas de constituição da SAF
A Lei traz diferentes formas para a constituição de uma SAF, abrindo possibilidades para que os clubes escolham o que melhor lhes atenderem. Dentre os modelos, tem-se (Art. 2º, Lei de SAF):
• A transformação do clube em SAF.
• Cisão do clube e transferência dos seus ativos à SAF
• Iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento
Controvérsias nas jurisprudências e propostas de alterações legislativas – PL 2.978/2023
Com o objetivo de aprimorar a Lei da SAF, foi apresentado o PL nº 2.978/2023, que busca inibir sua margem interpretativa e trazer maior segurança jurídica. As decisões judiciais recentes têm sido controvérsias especialmente quanto à responsabilização solidária da SAF pelas obrigações do clube contraídas antes da transformação.
O PL pretende afirmar que a SAF não responde pelas obrigações do clube que a constituiu, salvo quando lhe forem expressamente transferidas. Além disso, objetiva deixar claro que o clube e a SAF não constituem um mesmo grupo econômico, de modo que a SAF não seria responsável solidária pelas dívidas do clube, como têm entendido algumas decisões judiciais. Ainda, a nova proposta visa ressaltar que o Regime Centralizado de Execuções tem destinação exclusiva aos clubes que tiverem constituído a SAF, vedando seu uso indiscriminado pelos demais clubes.
Percebe-se que a Lei da SAF tem demonstrado bons resultados e que seus pontos controvertidos estão sendo discutidos a partir de sua aplicação prática nos últimos anos. Assim, o legislador foi bem-sucedido ao criar um modelo societário exclusivo para o futebol, apoiando-se no exemplo de países europeus, abordando o problema do endividamento dos clubes e a dificuldade da arrecadação de investimentos.
Desse modo, o cenário mostra-se favorável para investidores estrangeiros e nacionais, de forma a beneficiar não só os clubes de futebol, mas toda a população pelo aproveitamento do potencial deste nicho na economia do país.
Fernando Drummond é Vice-presidente, COO e Sócio do Marcelo Tostes Advogados, Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Mediação e Resolução de Conflitos pela NYU.