Fernando Drummond publica artigo no Valor Econômico: “Vetos: ameaça ou não para clube-empresa?”
VP do Marcelo Tostes Advogados analisa os principais pontos acerca da iniciativa que busca trazer atualizações há muito tempo pedidas pelas entidades desportivas de futebol
Publicação original – Valor Econômico
Vetos: ameaça ou não para clube-empresa?
Apesar de o veto aos benefícios fiscais ter representado uma quebra de expectativas, várias outras novidades da lei ainda parecem promissoras
No dia 6 de agosto foi sancionada a Lei n° 14.193/21, para a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), uma nova estrutura societária específica para os clubes de futebol. Originou-se do Projeto de Lei n° 5.516/19, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e relatoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ). Segundo a justificativa do projeto de lei originário, o objetivo é reconhecer a importância do futebol como fenômeno sociocultural e potencializar os empregos e bilhões de reais gerados.
Apesar do veto aos benefícios fiscais, várias outras novidades da nova lei ainda parecem promissoras
Na prática, os clubes poderão vender ações, emitir títulos e até acionar os dispositivos de recuperação judicial ou extrajudicial da Lei de Falências. É uma novidade que já está “na mira” de clubes importantes e com forte atuação hoje no campo.
Entretanto, o regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), principal atração do projeto de lei aprovado, foi vetado pelo presidente da República. A justificativa dada foi de que o TEF implicaria renúncia de receita pelo governo federal, o que viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Na prática, o veto foi um banho de água fria naqueles que esperavam uma alternativa ao benefício de isenção fiscal, garantido para as associações civis pela Lei n° 9.532/97.
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O veto está na mesa do Congresso Nacional para decidir se o mantém ou rejeita. O Senado já votou pela derrubada do veto em favor do retorno do TEF por 57 votos a 2, o que repercutiu positivamente nos clubes interessados em adotar o novo modelo. Falta agora a Câmara dos Deputados ratificar a decisão do Senado, já que a derrubada requer a aprovação das duas casas. A ideia de transformar os clubes em empresas já havia sido permitida em leis anteriores, falhando em oferecer uma alternativa à isenção fiscal oferecida pelo artigo 15 da Lei n° 9.532/97. Essa norma isenta os clubes de Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em outras palavras, até então era financeiramente mais vantajoso para os clubes manterem-se como associações civis.
Para quebrar esse paradigma, o Projeto de Lei n° 5.516 que deu origem à Lei n° 14.193/21 tinha como principal chamariz o regime de Tributação Específica do Futebol. Por meio desse regime, a arrecadação de tributos como IRPJ, PIS/Pasep, CSLL e Cofins seria unificada sob único documento de arrecadação e uma alíquota única de 5% sobre as receitas mensais durante os cinco primeiros anos, diminuída para 4% a partir do sexto ano.
Apesar de o veto aos benefícios fiscais ter representado uma quebra de expectativas, várias outras novidades da lei ainda parecem promissoras. Uma delas é que agora os clubes contarão com um amplo leque de instrumentos de captação de recursos para o financiamento das atividades. Um desses instrumentos será a adoção do modelo de capital aberto, o qual permitirá aos clubes lançar ações na bolsa de valores e captar recursos de investidores interessados.
Mas não é só na forma societária que a lei inova: os clubes também poderão emitir títulos de dívida chamados de “debêntures-fut”, com o objetivo de financiar projetos específicos por meio de investidores diretos (debenturistas), sem ter de depender do crédito aos bancos. Para garantir a solidez dos títulos emitidos, a lei exigirá mecanismos de registro em sistema autorizado pelo Banco Central ou pela CVM e a vinculação do uso das debêntures às atividades do clube.
A lei não fecha os olhos à crise financeira dos maiores clubes brasileiros, estimada em mais de R$ 9 bilhões em 2020. O artigo 13 da lei dá duas novas opções para quitarem suas dívidas: a recuperação judicial ou extrajudicial e o concurso de credores. Na primeira, os participantes poderão fazer acordos ou pedir na Justiça a renegociação das condições do valor devido, como o prazo de pagamento e parcelamento. Na segunda, a lei dá aos clubes o prazo de seis anos, prorrogáveis por mais quatro, para quitar as dívidas cíveis e trabalhistas em um órgão centralizado do Judiciário, sem que tenham seus bens penhorados ou bloqueados pela Justiça.
Além disso, novas soluções foram inseridas na lei para agilizar a quitação das dívidas. A mais importante delas é a possibilidade de os credores optarem por converter suas dívidas em ações do clube ou em títulos emitidos. Embora possa parecer simples, esse mecanismo permitirá que os credores apostem na expectativa de lucro futuro dos clubes como entidades de longo prazo.
De toda forma, os credores trabalhistas desinteressados em apostar no futuro do clube poderão ceder seus créditos a terceiros interessados, os quais serão privilegiados com o direito de preferência original do título cedido – o que pode ser vantajoso tanto para o clube quanto para os credores.
Fernando Drummond é VP, sócio e diretor de Operações (COO) do escritório Marcelo Tostes Advogados